26.2.08

Mais uma sugestão...

Aqui fica mais uma sugestão, neste caso de leitura.
O romance chama-se "A filha do capitão" de José Rodrigues dos Santos.
Poderia aqui explicar porque gostei de o ler, enumerar razões, ilustrar ideias, mas ainda assim, ficaria aquém daquilo que se sente quando se lê as suas páginas...
Sendo assim, prefiro deixar-vos com alguns excertos para que possam julgar por vocês mesmos.
"Na vida, concluiria um dia, todos têm direito a um grande amor. Uns achá-lo-iam num cruzamento perdido e com ele seguiriam até ao fim do caminho, teimosos e abnegados, até que a morte desfizesse o que a vida fizera. Outros estavam destinados a desconhecê-lo, a procurarem sem o descobrirem, a cruzarem-se numa esquina sem jamais se olharem, a ignorarem a sua perda até desaparecerem na neblina que pairava sobre o solitário trilho para onde a vida os conduzira. E havia ainda aqueles fadados para a tragédia, os amores que se encontravam e cedo percebiam que o encontro era afinal efémero, furtivo, um mero sopro na corrente do tempo, um cruel interlúdio antes da dolorosa separação, um beijo de despedida no caminho da solidão, a alma abalada pela sombria angústia de saberem que havia um outro percurso, uma outra existência, uma passagem alternativa que lhes fora para sempre vedada. Esses eram os infelizes, os dilacerados pela revolta até serem abatidos pela resignação, os que percorrem a estrada da vida vergados pela saudade do que poderia ter sido, do futuro que não existiu, do trilho que nunca percorreriam a dois. Eram esses os que estavam indelevelmente marcados pela amarga e profunda nostalgia de um amor por viver."
"A flor tinha desabrochado, revelando uma mulher atraente, de traços finos e elegantes, olhar doce e sorriso delicado. Não era de uma beleza espampanante, daquelas em que os homens viravam a cabeça quando viam a fêmea opulenta entrar no café e a contemplavam com gula, salivando grotescamente, o desejo em escaldante erupção. Os seus atractivos eram antes outros, mais discretos e graciosos, tornava-se necessário fixar-lhe o rosto para lhe descobrir os sedutores olhos hipnóticos, verdes e penetrantes, a que se juntavam as linhas perfeitas e os lábios carnudos. Tratava-se duma daquelas mulheres que não despertavam uma imediata e animalesca volúpia sexual, mas uma terna e incurável paixão platónica."
"As mulheres eram para ele um mistério, fontes de pecado e tentação, mas também de um bem-estar inexplicável, agradava-lhe a tagarelice sem rumo e os silêncios embaraçados, vivia a troca de olhares como um jogo, procurava adivinhar intenções nos menores gestos e nas palavras mais simples e descobria-se a dar e a dissimular sinais."
"Afonso começou pela face, desceu para os lábios, descobriu-os húmidos e fofos, penetrou-a com a língua, a boca era doce, quente, acolhedora, encontrou aí um sabor melífluo que o deixou inebriado, bebâdo de prazer, perdido numa dimensão que não sabia existir, como se o tivessem arrancado da realidade e o elevassem á eternidade, Afonso era uma andorinha e Agnès o céu, ela um lago, ele um nenúfar. sentiu o veludo macio dos grossos lábios vermelhos a recebê-lo com paixão e soube então, nesse preciso instante, como se de uma revelação se tratasse, que esses mesmos lábios de mel eram o seu fado, que aquela boca quente se fizera para ser a sua casa, que aquela mulher terna nascera para ser o seu destino."
"Quando terminou a arrumação, pegou na mala e abriu a porta. Lançou um derradeiro olhar pelo quarto, relembrando a felicidade que aí vivera, estranhando a súbita mudança que se operara naquele cubículo, antes tão preenchido, tão feliz e cheio de vida, agora assim vazio, morto, insuportavelmente triste, assustadoramente desolado. Não há dúvida, pensou, são as pessoas que fazem os lugares."
"Custava-lhe aceitar a realidade, alimentava por vezes a secreta esperança de receber uma carta que tudo desmentisse, acordava de manhã com a fugaz ilusão de que tudo não passara de um pesadelo, mas era apenas por um breve instante de traiçoeira fantasia. Depressa caia em si e percebia que o guião já estava escrito, não era possível mudar o passado, o que fora feito ficara feito, aquela era uma estrada já percorrida e sem retorno, uma ópera triste que já fora cantada."
"Não, Deus não é para ser amado nem temido. Deus é, Ele simplesmente é. Move-se com um propósito misterioso e acredito que todos nós, homens, animais, plantas, coisas, todos fazemos parte desse propósito, desse projecto. Nada ocorre por acaso, tudo tem uma causa e um efeito."
(...)

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