18.9.07

"As mulheres do meu pai"

E é esta a minha sugestão para esta semana...
Recomendo com particular entusiasmo a leitura deste romance, o último de José Eduardo Agualusa, que nos transporta até ao continente africano, numa fascinante viagem, marcada pelo ritmo música, pela beleza das mulheres, e pelo cheiro a terra entranhado na pele...
Não resisti a deixar aqui alguns excertos... que mesmo assim ficam sempre aquém... Leiam o livro!
(e agora os excertos)
"Recua quando lhe toco. Insisto. Toco-lhe ao de leve no cabelo enquanto dorme. O meu amor tem uma cabeleira forte e lisa. Afundo devagar os dedos nela, até à raíz, e aí é suave e densa. Cheiro-lhe o cabelo, cheiro-lhe a nuca, e ela suspira. Fala, enquanto dorme, numa língua que não compreendo. Fico acordado a vê-la dormir. Tem sido assim nestas últimas noites. Adormeço exausto, quando a primeira luz se acende nos lençóis."
"Acordei suspensa numa luz oblíqua. Virei a cabeça e dei com o rosto de Mandume. Dormia. A dormir Mandume volta a ser um menino. Quando o vejo assim sinto vontade de o abraçar. Queria amá-lo como no princípio de tudo."
" Sou um tipo que se apaixona com facilidade. Também desanimo, verdade seja dita, com idêntica facilidade. Volúvel, acusa a minha mãe. Talvez. O que me atrai numa mulher é o que não sei sobre ela. Algumas mulheres usam o silêncio como quem veste uma burqa. Um homem fica a imaginar o que existe por detrás daquele silêncio pesado e escuro e sem frestas, que mal deixa adivinhar a forma do pensamento. Imaginar já é amar. Há, depois, as mulheres que falam, mas com uma voz de tal forma sedutora, levemente rouca e ao mesmo tempo luminosa, que é como se não falassem, pois nós, os homens, apenas conseguimos reparar na voz, e não naquilo que elas dizem. "Como podes apaixonar-te por alguém que não conheces?!, aborrece-se a minha mãe. Precisamente, digo-lhe, ninguém se apaixona por um conhecido. O que eu acho, aliás, é que a paixão termina no momento em que se conhece o outro. Creio que era Nelson Rodrigues que dizia que se todos conhcessem a intimidade uns dos outros ninguém cumprimentaria ninguém. Evidentemente, existem depois aquelas mulheres que nos seduzem pelo brilho do pensamento. Ainda neste caso chega o momento em que viramos a última página.
Reler um clássico pode ser um exercício agradável, sem dúvida, mas descobrir um jovem autor suscita outra emoção. As mulheres que pensam são as mais perigosas (espero que este meu diário não caia nunca nas mãos de uma mulher)."
"Gosto daqueles lugares onde não se passa nada. Evidentemente, gosto deles enquanto passo, passo a passo, num passeio lento, ou sobre rodas, num rápido deslizar. Gosto do silêncio estático, da luz parada, nos vários tons da ferrugem - uma velha fotografia manchada de lágrimas."
"Um soluço sacudiu-lhe o frágil corpo. Levantei-me, dei dois passos e ajoelhei-me junto dela. Afundei o rosto no seu colo. Senti as mãos de Alima a deslizarem, leves borboletas, sobre o meu cabelo. O colo da minha mãe cheirava a incenso e a maresia. Chorámos as duas. Um cansaço veio descendo sobre mim, uma vontade de esquecimento, de não haver tempo nem universo, nem a sombra de um Deus sobre tudo isso."
" Entretanto envelheci. Compreendi o óbvio. A verdadeira beleza não se pode aprisionar, não se repete, e não se prevê. Um arco-íris será belo enquanto permanecer indomável."

1 comentário:

Anónimo disse...

Vou ler. Gostei dos excertos que escolheste. E lembra-te: "as mulheres que pensam são as mais perigosas". Um homem pôs outro homem a dizê-lo... e tu és, sem dúvida, uma mulher que pensa!